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Mostrando postagens de 2025

Banco vazio

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“Banco vazio” é uma coletânea de textos breves que compõem a obra de estreia na literatura do senhor Welington Souza.  O autor baiano reúne pequenos textos ficcionais que se alternam entre os gêneros da crônica, e do conto breve, agrupados em capítulos sob os títulos de “vivências”, “lembranças”, “recomeço” e “devaneios”.  Na crônica de Souza encontramos acontecimentos e reflexões da vida ali do rés-do-chão, resgatados da memória de um protagonista/autor que repassa sua trajetória de vida desde a infância pobre no interior da Bahia, até o encontro com uma maturidade existencial que lhe permite (a ele e a nós leitores), estabelecer ou ressignificar a dimensão de coisas e pessoas com quem tivemos a sina de compartilhar nossas existências. Outros textos se inclinam para o gênero do conto - ainda que de modo embrionário -, com esboços de enredos, conflitos e desfechos sempre de teor instrutivo e reflexivo. São textos muito singelos, vertidos em uma linguagem simples e coloquial, q...

Você tem fome de quê?

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Literatura é reino amplo, de topografias diversas. Cada qual com seus séquitos. Nenhum rei à vista, muitos príncipes e outros nobres postulantes a senhores da palavra. A divisão dos territórios, em gêneros, nem sempre de fronteiras claras. Zonas de conflito. Mas vale mesmo é trafegar por ele, mesmo sem mapas, sem indicações precisas. Ir pelos caminhos, descobrindo-lhes as paisagens. Encontrar outros viajantes como o talentoso Whisner Fraga que faz da palavra literária instrumento de uma geopolítica artística que não visa restringir territórios, mas ampliá-los. Alguns destes trajetos, ainda pouco sinalizados, já têm guias como ele que transcende os gêneros novos surgidos à sombra da comunicação instantânea imposta pelos meios de comunicação de massa eletrônicos e sacramentada pelas redes sociais, com mensagens medidas que cabem em postagens centimétricas, caracteres contados. Mais que isso, dizem, gera dispersão, tédio. Os bardos, menestréis e griôs adaptam-se; economizam-se; adensam-se...

Palavras para dias de chuva [& para outros dias também]

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Acaba de ser lançado pela novíssima Editora Sinete o livro de poesias “Palavras para dias de chuva”, da autoria do escritor, desenhista e compositor paulistano Rodrigo Scott. A obra em formato de bolso, 12 x 18cm é divida em cinco blocos temáticos, todos precedidos de breves epígrafes. Um livro de reduzida extensão é certo (88 páginas), mas que apresenta peculiaridades que a tornam maior pelas implicações decorrentes da leitura atenta dos poemas. A começar pelas belas ilustrações produzidas pelo autor e que, em boa medida, se entrelaçam às temáticas abordadas. Outro ponto que merece destaque é o próprio título do livro. “Palavras para dias de chuva”, que remete a certo sentimento de que tais dias são mais propensos à reflexão porque despertam saudade, nostalgia, e  proporcionam momentos de tranquilidade e reflexão. Entretanto, Rodrigo Scott vai mais além.    Em nota introdutória, o autor pontua que os poemas foram agrupados em temas que se relacionam. “Na parte 1, por exe...

“Cicatrizes” no corpo e na alma

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Como todos os dossiês que a revista Cult tem publicado, o do pensador negro norte-americano William Edward Burghardt Du Bois (1868-1963), que ocupa mais da metade da edição de fevereiro de 2025, é um rico e substancial painel da vida e obra do autor contemplado. No texto de abertura, “Redescobrir W. E. B. Du Bois”, Matheus Gato relaciona “temas candentes no debate contemporâneo na esfera pública e nas universidades” presentes na obra do sociólogo e historiador, com “suas formulações mais originais e pioneiras”. Alguns desses temas: branquitude, capitalismo racial, cultura, identidade, imperialismo, colonialismo, racismo, democracia, pós-abolição, pan-africanismo e literatura negra.  Tudo isso aparece também em Cicatrizes (Balaio, 2023), sexto livro do poeta baiano Carlos Machado (Muritiba, 1951). Sim, o livro abarca todos os temas de Du Bois e outros, mais ligados à história do Brasil. Até porque, “não diferem o historiador e o poeta, por escreverem em verso ou prosa (pois que be...

W. J. Solha: autobiografia sem anistia

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Ernest Hemingway (1899-1961) escreveu há 90 anos numa resenha do primeiro romance de John O’Hara (1905-1970): “Se você quer ler um livro de um homem que sabe exatamente sobre o que está escrevendo e o escreveu maravilhosamente bem, leia   Encontro em Samarra ”. Quase um século depois, pode-se dizer isso também sobre a autobiografia de Waldemar José Solha (Sorocaba, SP, 1941; vive em João Pessoa). Sob vários aspectos, W. J. Solha, como assina sua obra, é um fenômeno. Com a publicação da   Autob/i/ografia   (Arribaçã Editora), o leitor brasileiro agora pode saber o quão ricas e fascinantes são a vida e a obra desse artista de múltiplos talentos e prêmios. Poeta, romancista, contista, dramaturgo, letrista, artista plástico, pintor e ator. Ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante do Festival de Cinema de Porto Alegre, em 2013, pela atuação em   O som ao redor , de Kleber Mendonça Filho.  Como escritor, conquistou diversos prêmios, entre eles o Fernando Chinaglia, ...

O tamanho da fome

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Que está na romaria dos mutilados Que está na fantasia dos infelizes Que está no dia a dia das meretrizes No plano dos bandidos, dos desvalidos Em todos os sentidos O que será (Chico Buarque) “Você tem fome de quê?” perguntam os Titãs na já clássica canção pop Comida , lançada em 1987. E respondem: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Se você tem fome de boa literatura, tenho um prato cheio para lhe oferecer: As fomes inaugurais  (Sinete, 2024), do escritor Whisner Fraga, é um verdadeiro banquete para quem aprecia um bom texto literário. O volume reúne pouco mais de cinquenta pequenos contos que flutuam sobre um mesmo tema: os desvalidos, os invisíveis, os à margem de tudo, os famintos de todo tipo de alimento, para o corpo e para o espírito. Como fragmentos de uma realidade cruel, as pequenas narrativas funcionam como flagrantes trágicos de indivíduos desprezados pela sociedade, mendigos, sem tetos, prostitutas, sujeitos a todas as formas possíveis ...

Caixa de vazios

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A recente publicação de Caixa de vazios  - poesias, da autoria do escritor mineiro (de Uberaba), Vicente Humberto, pela editora Ficções, suscita uma curiosidade oriunda de ideias antagônicas: uma caixa cheia de vazios? Ou uma caixa vazia? Temos portanto já no título, o sentido conotativo (associação subjetiva), além do sentido literal que se poderia esperar. Mas não é isso mesmo que a literatura opera com a linguagem?  Esta que é talvez, a nossa mais cara invenção? Indispensável e bela, a linguagem, entretanto, nunca é estática e absoluta, sempre fluida, sempre múltipla e viva como pássaros em voo. Assim, curiosos, retiramos a tampa dessa caixa de Vicente Humberto pensando de antemão que encontraremos a linguagem revelação de mundos, recriação de mundos. Três compartimentos ou seções dividem a obra:  “Uma árvore quase pronta”, “Fazenda Harmonia” e “Sombra feliz”, a reunir ao todo, 96 poemas. O autor que também é engenheiro de formação constrói uma obra marcada pela simpli...

A poética da ausência

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A coletânea de contos De repente nenhum som , de Bruno Inácio, publicada pela Sabiá Livros, em 2024, traz o silêncio como protagonista das doze narrativas, apresentadas em pouco mais de cem páginas. O leitor não se engane: trata-se de uma obra densa, de múltiplos contornos, interpretações, em que a ausência de som é um elemento crucial para a caracterização das personagens e para a própria construção das tramas. As ficções carregam um lirismo profundo, que utiliza diversas ferramentas para ilustrar os fluxos de consciência, os discursos fragmentados, bem como diversos estilos de composição. O silêncio, nestes minicontos de Bruno Inácio, são uma forma de representação ortográfica, eles mostram não a falta de comunicação, mas uma maneira distinta de expressar experiências e compartilhar sentimentos. Por meio de situações corriqueiras, de interações humanas, o livro aborda assuntos como a família, a perda, a finitude, o amor e, acima de tudo, a busca por significados, por algo que justifi...

“Prisão, flores e luar”: mergulho em busca do eu

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A personagem-narradora do romance de Carla Dias desfia uma série de inquietações, nunca contradições pessoais mesquinhas, mas profundas, angustiosas – e que libertam Poesia se faz apenas com palavras? A uma consulta de um poeta de 24 anos, no “Correio” do semanário Zycie Literackie (Vida Literária), a polonesa Prêmio Nobel Wislawa Szymborsksa (1923-2012) respondeu assim: “Não tente ser poético a qualquer preço: a poeticidade é chata, porque é sempre secundária. A poesia, como, aliás, toda a literatura, retira suas forças vitais do mundo em que vivemos, das vivências realmente vividas, das experiências realmente sofridas e dos pensamentos que nós mesmos pensamos. É preciso descrever o mundo continuamente, porque, afinal, ele não é o mesmo de tempos atrás”. [ Correio literário ou como se tornar (ou não) um escritor , tradução de Eneida Favre, Belo Horizonte, Editora Âyiné, 2024, p. 37]. No recente Prisão, flores e luar (Sinete, 2024), Carla Dias [Santo André, 1970; vive em São Paulo] ...

A marcha sensorial rumo à liberdade

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Amores terás vivido , o mais recente romance de Wilson Loria, publicado pela Editora Patuá, em 2024, narra a história de Nelson, um jovem que deixa Cuba e se muda para os Estados Unidos, no início da revolução cubana. O leitor acompanha a jornada do protagonista, desde a fuga até as experiências no novo país, explorando temas como liberdade, paixão e busca pela identidade. A opressão política e social, o desconforto com as mudanças na ilha, o medo da repressão e, principalmente, um profundo desejo por liberdade sexual, são fatores que impulsionam essa partida. A família de Nelson desempenha papel fundamental em toda a obra. O pai é o responsável pela compra das passagens, a mãe o suporte emocional, o amor incondicional, os irmãos como símbolos da relação entre passado e presente. A lembrança dos entes queridos, que permanece em Cuba, é muito presente no romance, e simbolizada por cartas recebidas, que dão, ao leitor, um panorama do contexto cubano da época.  Os Estados Unidos, país...

"A felicidade é um inferno" | Amor e solidão nos contos de Jussara de Queiroz

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Nos anos 1970, auge do conto no Brasil, o estado de Minas Gerais chegou a ser chamado de terra do conto. Com justiça. Autores já consagrados anteriores àquela época passaram a ser mais conhecidos e lidos, entre eles Murilo Rubião, Luiz Vilela e Sérgio Sant’Anna. Sem falar em mestres de anos anteriores, como Aníbal Machado e Guimarães Rosa. Na década de 1970, incontáveis ótimos contistas foram revelados em Minas. Hoje o conto não tem mais tanto espaço na mídia nem nas editoras. Uma pena. Mas o gênero segue em alta entre escritores do país inteiro.  Minas continua solar de excelentes contistas, de variadas gerações. Um exemplo expressivo e recente é Jussara de Queiroz (Patrocínio, 1953; vive em Belo Horizonte), autora de A felicidade é um inferno (Nauta, 2024), que traz contos primorosos no enredo, na linguagem e na estrutura. Ela não é escritora estreante. Em 1994, Jussara publicou o romance Voo Rasante (Editora O Lutador), Prêmio BDMG Cultural de Literatura de 1992. É autora vence...