Solidão e redescoberta em “Bakken”, de Julia Barandier


Antônio, protagonista de “Bakken” (7Letras), demonstra ser um personagem complexo já nas primeiras linhas do livro de estreia de Julia Barandier. Parece entender sua atual situação com clareza, mesmo que por vezes tente negá-la. Finge não ter saudades, para depois se desmentir. Esconde emoções, para mais tarde evidenciá-las – e quase sempre com uma dose de autoflagelo. 

O personagem central do romance é um brasileiro de meia idade que acaba de se mudar para Copenhagen, na Dinamarca, com o objetivo de construir uma nova vida após um divórcio mal resolvido. Aborda seu dia a dia de pouco movimento em cartas dedicadas (embora jamais enviadas) à ex-esposa. Em cada uma delas, discorre – em tom poético e por vezes melancólico – sobre aspectos de sua nova realidade: a solidão, o clima, as paisagens e a língua. 

Já nesse início da narrativa, a autora Julia Barandier mostra uma voz literária bastante definida, madura e fluída. Sua prosa poética transita entre diferentes gêneros literários com a segurança de quem sabe que fluxos de consciência, quando bem escritos, reverberam no que há de mais autêntico e profundo na humanidade. 

A narrativa ganha ainda mais intensidade a partir do momento em que Antônio conhece Hans, um pintor local que passa a dar aulas ao brasileiro. É a partir daí que o protagonista se reconhece como artista e passa a vivenciar sensações inéditas até então, especialmente aquelas proporcionadas pelo fazer artístico. Nesse sentido, vive momentos de autossatisfação e até experimenta o sentimento de onipotência. Por outro lado, também tem crises criativas e por vezes duvida do próprio trabalho. 

Muito disso é dividido com Hans, personagem que não se limita à figura de mestre. É, sobretudo, um ponto de acolhimento em meio a tudo que é estrangeiro. Não por acaso, a relação dos dois ganha uma intensidade quase urgente, em meio a desabafos, cafés, passeios e conversas sobre arte. 

Há, inclusive, momentos em que Antônio tem pressa ao escrever em sua espécie de diário para que possa passar mais tempo com Hans, pintar novos quadros e conhecer outros cantos. 

Pouco a pouco, o protagonista percebe que está se redescobrimento (ou se refazendo?) e passa a lidar com mais sinceridade com o que pensa e sente, inclusive em relação à ex-esposa.

Em “Bakken”, Julia Barandier entrega a leitores e leitoras uma densa narrativa sobre pertencimento, coragem e transformação. Para isso, tem como aliada uma linguagem confessional, um olhar atento ao cotidiano e uma rara delicadeza.

Suas frases são capazes de condensar o que há de mais potente e ensurdecedor na solidão, nas perdas e nos recomeços, sem deixar de lado a originalidade e a complexidade, dois dos elementos mais caros à boa literatura. 


Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros) e colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review.

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