Traumas e afetos em “As sete mortes do meu pai”, de Humberto Conzo Junior


Publicado no fim de 2022 pela Mondru, “As sete mortes do meu pai”, de Humberto Conzo Junior, é um romance de rara coragem e delicadeza. Na trama, o personagem-narrador recebe a notícia de que seu pai morreu e se vê assombrado por memórias contrastantes, que se alternam entre momentos de felicidade (estes mais raros) e situações traumáticas. 

O cenário se torna ainda mais delicado para o protagonista quando Daysi, atual esposa de seu pai, afirma que ele não é filho biológico do homem que acaba de morrer. Embora não chegue a levar a afirmação tão a sério, a provocação impulsiona o mergulho a um passado marcado por desafetos, idas e vindas, discordâncias e, claro, amor. 

Humberto Conzo Junior constrói o romance como uma autoficção, ao falar a respeito de sua própria família sem se preocupar em romantizar as relações. Também por isso, esse não é um livro convencional sobre o luto, a começar pelo personagem do pai, que claramente está bem distante daquela imagem de protetor, onipotente e sensível. Ele, ao contrário, se esquece de suas responsabilidades, se atrasa para buscar o filho, se afunda em dívidas e é machista e inconveniente em incontáveis vezes. 

Por outro lado, não é pintado como um monstro sem sentimentos e alheio a tudo que não seja o próprio umbigo. Por vezes, aconselha, reconhece os próprios erros e demonstra afeto de maneiras sinceras e criativas. 

A história avança de forma não linear entre momentos de presença e de ausência do pai, enquanto o personagem-narrador recorda acontecimentos felizes e traumáticos da infância, as experiências amorosas, as primeiras vezes em que dirigiu, o período de faculdade, o casamento e as festas de família. 

Em cada uma das fases, os personagens assumem novas camadas, ganham mais complexidade e estabelecem novas dinâmicas de relação. Aqui, o medo, o carinho e a indiferença também norteiam os curtos capítulos do livro e entregam uma narrativa que prende a atenção do início ao fim, com destaque para a linguagem crua, direta e ácida utilizada pelo autor. 

Paralelamente, o romance se assume como uma espécie de acerto de contas entre um filho muito diferente de seu pai e apresenta as nuances de uma relação difícil, mas ainda assim repleta de afeto. Assim, “As sete mortes do meu pai” se aproxima de outras excelentes autoficções que também se destacam por abordar as complexidades do amor, como “O filho eterno” (Cristovão Tezza) e o recém-lançado “Antes do silêncio” (Rogério Pereira). 

Em seu primeiro romance, Humberto Conzo Junior – criador do canal de divulgação literária Primeira Prateleira e idealizador do Clube de Literatura Brasileira Contemporânea – demonstra uma voz autêntica e disposição para tocar em feridas de forma direta, sem receios ou palavras desnecessariamente rebuscadas. 

O livro acumula pesos, reorganiza sentimentos e evidencia as muitas mortes que cabem em uma mesma existência, sem deixar de lado as diversas contradições presentes nas relações familiares, sobretudo nas mais turbulentas. 


Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e pós-graduado em literatura contemporânea. É autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros) e colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review.

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